Pelo menos dois fatores singulares marcaram a presente campanha eleitoral, distinguindo-a das anteriores. O primeiro foi o engajamento absoluto e sem precedentes do presidente da República, violando com frequência a lei, indiferente e mesmo irônico em relação às sucessivas multas que lhe impôs a Justiça Eleitoral.
O segundo foi o papel confuso que nela desempenhou o Supremo Tribunal Federal, transformando-se em órgão legislador e agente ativo do processo. Dele dependerá, inclusive, o voto final para a contabilização do resultado. Se decidir que a Lei da Ficha Limpa vale, a contagem será uma; se decidir o contrário, será outra.
Haja confusão. De quebra, o STF extinguiu o Título de Eleitor a três dias do pleito, revogando lei aprovada pelo Congresso – e perfeitamente constitucional -, sancionada pelo presidente da República. A lei, proposta pelo PCdoB, exigia que, além do Título, o eleitor apresentasse documento de identidade com foto. O PT engajou-se em sua aprovação. A uma semana do pleito, questionou-a. O STF o atendeu, dispensando o Título de Eleitor.
O mais interessante é que dois dos ministros que votaram pela extinção do Título – Ricardo Lewandowski e Carmem Lúcia – haviam votado três meses antes, no Tribunal Superior Eleitoral, em sentido contrário. Defenderam os dois documentos. Nunca antes neste país, se viu nada parecido, em ambos os casos – no de Lula e no do STF.
Voltemos a Lula. Seu poder de transferência de votos não pode ser questionado, sobretudo quando acrescido do uso desmedido da máquina administrativa. Sua candidata, Dilma Roussef, sozinha, não teria chances. Perderia para Plínio de Arruda Sampaio.
Lula a inventou, abdicando da condição de chefe de Estado para reassumir a de chefe de partido. Ao pedir que votassem em Dilma como se fosse nele próprio, não agiu muito diferente do ex-governador Joaquim Roriz, que disse o mesmo ao lançar sua esposa, Weslian Roriz, candidata em seu lugar ao governo de Brasília.
A diferença é que o casamento de Lula com Dilma é apenas político. Mas o princípio da terceirização em ambos os casos é o mesmo – e cargo público eletivo não é terceirizável.
Ainda que não vença no primeiro turno, como chegou a parecer inevitável, Dilma vai para o segundo como franca favorita, e não será fácil barrá-la. Lula continuará ocupando todos os espaços para elegê-la, não hesitando em engajar a máquina do governo na campanha. Se a Justiça não o inibiu até aqui, é improvável que o faça agora.
Já José Serra, provável oponente de Dilma na eventualidade de um segundo turno, conta, para reagir, com a adesão efetiva de seus correligionários, que, ao longo do primeiro turno, preocuparam-se mais em garantir a própria eleição que em ajudá-lo.
Todos temiam afrontar a popularidade de Lula e escondiam o presidenciável tucano. No segundo turno, esse risco não existe mais e isso fará muita diferença. Não é casual que Lula se empenhe tanto em decidir a eleição no primeiro turno. Segundo turno é outra eleição, com variáveis bem distintas.
O crescimento de Marina Silva, tirando votos de Dilma, preocupa o PT. Independentemente do que Marina disser, a maioria de seus eleitores – 51%, segundo o Datafolha -, se alinhará com Serra. E ela, que deixou o governo Lula em atrito com Dilma, terá dificuldades políticas em voltar ao leito anterior.
As eleições estão aí – e a hora da verdade vale não apenas para os candidatos, mas também para os institutos de pesquisa, cujo protagonismo na campanha foi outro fenômeno sem precedentes. É hora de conferir.
Fonte: Blog do Noblat - artigo de Ruy Fabiano
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